Panda Bear, Tame Impala, Django Django. O que a banda brasileira Boogarins tem a ver com esses que são três dos nomes mais interessantes da música mundial? Segundo o jornal The New York Times, o grupo goiano forma, com eles, o quarteto que fez de 2015 “um grande ano para a música psicodélica”. O disco que o grupo lançou este ano, “Manual ou Guia Livre Para a Dissolução dos Sonhos”, balançou crítica e público e é um dos álbuns da recente produção brasileira que mais chamaram a atenção fora do país.
Mesmo com essa pompa toda, os Boogarins não se afobam, não. Sabem de onde vieram – de um quartinho apertado na casa do vocalista Benke Ferraz, onde eles gravaram o primeiro disco, “As Plantas Que Curam”, em 2013 – e não tem a mínima ideia pra onde essa história vai. Para uma banda que não planejou nenhum milímetro disso tudo – nem quando enviou o primeiro disco para sites e selos americanos, achando que não aconteceria nada, o que não aconteceu -, o caminho parece ser um só: continuar fazendo música. O resto vem.
No mês passado, o grupo formado por Benke Ferraz (guitarra), Dinho Almeida (vocais e guitarra) Raphael Vaz (baixo) e o baterista Ynaiã Benthroldo foram para a Europa numa turnê intensa de 19 shows. No último dia 11, já de volta ao Brasil, tocaram no Sesc Pompeia e colocaram mais um show na conta de São Paulo, a cidade que recebeu mais apresentações do quarteto neste ano.
Um pouco antes deste show, Dinho Almeida falou com o Azoofa sobre o reconhecimento internacional, conta de onde veio o nome do novo disco e analisa a importância das redes sociais para o grupo. “Acho que pra qualquer banda que quer pular sua própria cerca tem como tarefa básica esse trabalho de divulgação na internet”.
AZOOFA: Vocês acabaram de voltar de uma turnê de mais de 20 shows pela Europa. Como foi esse período?
Dinho Almeida: Foi uma turnê com muitos shows fantásticos mas também bastante cansativa. No ano passado ficamos mais tempo em tour, mas dessa vez as rotas eram meio malucas e tivemos que percorrer distâncias maiores de show em show. Dessa vez, acho que fizemos shows melhores, pra mais pessoas em todas as cidades que estávamos passando pela segunda vez, e algumas surpresas em cidades que nunca tínhamos tocado. Apesar de rapidinha, o prazer de ter feito essa viagem continua rolando.
Imagino que vocês devam colecionar histórias muito boas dessa turnê. Houve alguma cidade ou show que marcou a banda de uma maneira especial? Por que?
Pô, a gente sempre se surpreende com os shows em Portugal, é genial ver como as pessoas de lá gostam da banda e, na verdade, se interessam pela música brasileira em geral. Os shows na Espanha também foram super bacanas, pessoas cantando as músicas e tal. Tocamos em um lugar genial em Berna, na Suíça, uma ocupação de mais de 25 anos que realiza várias ações pra transformar a cidade.
O Boogarins é, certamente, um dos maiores destaques do ano na música brasileira e internacional. Como vocês estão lidando com tantos elogios vindo de pessoas e lugares tão diferentes?
Continuamos tranquilos como sempre, não nos sentimos como destaque ou “super artista do momento”. É até engraçado pensar na gente levando essas coisas a sério. Viajando e tocando, você conhece pessoas geniais e criativas que estão criando e botando uns lances surpreendentes pra fora. Elogios são bons mas não te colocam em movimento, é contemplação de algo já feito. Nosso lance é ação constante direcionada naquilo que nos parece interessante. O que fazemos com esse barulho todo em torno da gente é aproveitar pra conseguir alcançar o máximo de pessoas com a nossa música, fazendo que essa relação exista num espaço menos efêmero que o das notícias.
Vocês tocaram semana passada no Sesc Pompeia. O vídeo de “Avalanche” foi gravado no CCSP, outro palco importante de São Paulo. Qual é a relação de vocês com a cidade? Gostam de vir pra cá? Já pensaram em morar por essas bandas?
Acho que esse ano tocamos mais em São Paulo do que em qualquer outro lugar. É bem maluco o ambiente da cidade pra quem não mora nela. Fizemos bons amigos mas acho que todos da banda concordam que por enquanto São Paulo é bom pra dar passeio. Tem muito lance pra ser desenrolado em Goiânia, mesmo a gente viajando muito, adoramos voltar pra lá e de uma certa forma queríamos ter mais tempo útil em casa.
O fato de a banda ter sido reconhecida primeiro lá fora e depois – mais exatamente, agora – em seu país revela a falta de faro e curiosidade do público e da imprensa especializada do Brasil, ou isso foi apenas consequência por vocês terem primeiro chamado atenção de um blog americano?
Não sei se falta de faro seja o xis da questão. Mandamos material pra vários blogs, sites e selos daqui antes de ter qualquer coisa fora do Brasil. Alguns responderam, outros não, nada mais natural. Com certeza a coisa toda de selo e imprensa estrangeira às vezes chega a fazer mais barulho do que a própria música da banda nos ouvidos dos outros, mas acho que os meios de divulgação, consumo e criação da música como um todo estão num período um tanto quanto caótico. Você tem a coisa toda espalhada na internet, várias fontes, filtros pra encontrar o que gosta. Com o conceito de bom e ruim maravilhosamente distorcido por essa quantidade imensa de coisa rolando, os gostos individuais com cada vez mais liberdade de existir e se propagar, sei lá, não dá pra chamar ninguém de sem faro ou sem curiosidade, as coisas vão aparecendo quando tem de aparecer.
Esse lance de “banda que gravava no quarto e disparava e-mails”, que o Lucio Ribeiro costuma repetir sempre que escreve sobre vocês… Como a internet e os canais atuais, como Facebook, ajudaram o grupo a mostrar sua música para outras pessoas?
Foi e é meio que essencial. Toda a nossa comunicação tanto interna quanto externa se dá através dessas ferramentas. Desde quando começamos a gravar, a gente enviava versões de teste das músicas pra amigos e depois quando viramos banda, a divulgação dos shows e das músicas é praticamente toda na internet, que é onde todo mundo tá com a cabeça hoje em dia. Acho que pra qualquer banda ou qualquer outro projeto que quer pular sua própria cerca tem como tarefa básica esse trabalho de divulgação na internet. O grande lance é mesclar essa atividade virtual com atividade real e botar pra fuder em ambos os espaços.
Vocês falaram em algumas entrevistas sobre “Manual” ser um disco ‘mais de banda’ do que o primeiro. Como tem sido levá-lo pros palcos?
Na verdade, tocamos algumas músicas do disco novo há muito tempo, o pessoal de Goiânia já tá esperando o próximo, que esse aí pra eles é igual relançamento do Amado Batista (piadinha séria, kkkk)! Mas tem sido genial, a gente improvisa muito nas músicas, é engraçado ver como as canções vão ganhando formas, cores e um milhão de outras coisas durante os shows. Definitivamente, estamos muito enfiados nesse lance de experimentar movimentos novos a cada show. Acho que estamos cada vez mais “banda”, não só no disco, mas no dia a dia, no show a show mesmo.
De onde veio um título de disco tão bonito e comprido?
Pô, veio de muita conversa… nenhuma sobre o disco de fato, mas muita conversa sobre sonho e o fazer da coisa, às vezes nem falando da gente, nem do nosso fazer. Acho que a explicação desse lance de um guia livre pra dissolver pensamentos/sonhos que remeta a um processo manual, vem muito mais de uma fala de quem ouvir o disco do que de nós. Na hora de conversa séria a gente só enrola.
Nos shows lá fora, como vocês viram a questão da língua? Minha impressão é que nós, brasileiros, temos dificuldades com quem canta em espanhol, por exemplo – mesmo que as duas línguas tenham suas semelhanças – mas que o europeu e o americano estão muito mais abertos a ouvir música em português, mesmo que a nossa língua seja sonoramente muito distante da deles. Como foi isso pra vocês na turnê?
Pô, como disse no começo, foi bem tranquilo, acho que o lance todo vai muito além da língua e tem muito a ver com a disposição individual de absorver um elemento de uma cultura diferente da sua. A gente ia tocar só pra quem queria ver a banda, então não existiu nenhum contato hostil ou que não parecesse afim de entrar na nossa onda mesmo não entendendo as letras. Eu não consigo exprimir com clareza uma opinião sobre os pontos positivos e negativos dessas barreiras linguísticas e culturais que existem dentro das nossas cabeças, mas com esse lance da banda tenho visto que é muito melhor se abrir pra coisas boas, principalmente se for música, que é uma coisa que me parece correr por fora dessas amarras linguísticas.
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arte | belisa bagiani