Se alguém perguntar pelo Fabio Albuquerque, diz que ele foi por aí, levando… uma mala debaixo do braço. E não é uma mala qualquer: dentro dela está um kit de bateria que proporciona ao músico tocar em qualquer lugar, especialmente na rua. Dessa característica singular surgiu o Chaiss na Mala, projeto dele com Robson Ashtoffen que costuma circular por ruas e espaços culturais de São Paulo.
O repertório do grupo é amplo: vai do jazz considerado “clássico” – Charles Mingus, John Coltrane – à música brasileira, passando pelo blues e pelo jazz brasileiro. Nesta sexta-feira (15), o Chaiss na Mala se apresenta na Casa Matahari, no Ipiranga, autointitulado “o porão mais underground de São Paulo”.
O Azoofa conversou com Fabio Albuquerque sobre a criação da banda, a ideia de montar uma bateria que cabe dentro de uma mala e a importância de a rua ser livre para manifestações artísticas. “É preciso frear as injustiças com os cidadãos que estão fazem arte nas ruas de São Paulo”.
AZOOFA: Como surgiu a ideia de criar o Chaiss na Mala?
Fabio Albuquerque: O Chaiss nasceu em 2009 da parceria entre eu e o Robson Ashtoffen para tocarmos e aprofundarmos nossos estudos na música instrumental universal. Experimentamos várias formações e, no início do ano de 2012, customizei uma mala plástica de viagem para compor um kit de bateria com o intuito de utilizá-la em apresentações nas ruas de São Paulo. Atualmente somos um quinteto que usa os nomes “Chaiss na mala” ou “ChaissQuinteto”, dependendo do tipo de bateria que eu utilizo (convencional ou mala) e do local em que vamos nos apresentar.
Como é a dinâmica de formação da banda, que sempre muda, e a de escolha de repertório?
Essas mudanças de formações na banda são muito saudáveis e é algo que já está previsto desde o início desse projeto. Nosso propósito sempre foi tocar com o maior número de pessoas que conhece(re)mos ao longo dessa jornada na música. Ao trazê-las para tocar com o Chaiss, trazemos também muitas histórias diferentes. E o mais importante: conhecimento e experiência para um aprendizado de sempre estar atento no que os músicos podem nos contar com sua participação. O repertório é baseado em temas compostos pelos integrantes e alguns standards da música universal. Vez em quando rola uns improvisos soltos, citações de temas e histórias aqui e ali. Depende da vibe do local e de todos os músicos na ocasião.
Vocês tocam com frequência na rua. Como é essa experiência pra vocês?
Já tocamos mais na rua, mas outros afazeres tem nos tomado um tempo que era dedicado a essas apresentações. Tocar na rua é sempre uma incógnita. Acontece de tudo durante a sua apresentação. Para nós, sempre foi muito gratificante e divertido, acima de tudo. Participamos de um processo político bem importante na defesa dos artistas de ruas em 2014, junto a muitos outros artistas e entusiastas do meio, para garantir os direitos e deveres dos que utilizam a rua com esse intuito artístico, como meio de sobrevivência – do ganha pão mesmo – ou apenas como mais um espaço de apresentação de seus projetos, etc. Aconteceram umas arbitrariedades na política cultural da cidade com a revogação de decretos que disciplinam as atuações dos artistas de rua, (basta procurar sobre o assunto nos meses de abril e maio de 2014). Temos muito prazer de ter somado esforços – e continuamos a somar – com muitos parceiros para frear essas injustiças com os cidadãos que estão na batalha com as artes nas ruas de SP.
Vocês fazem parte do Jazz na Kombi. Como funciona a escalação de bandas que vão tocar no projeto? E o que vocês acham da iniciativa?
O Jazz na Kombi é um coletivo de poetas, agitadores culturais e grafiteiros que organizam saraus e intervenções artísticas pela cidade, com o lance de promover todas essas linguagens, sejam musicais, plásticas, visuais e etc. com o encontro da música jazz, do improviso, de fazer as coisas no bate pronto. Eles selecionam bandas de conteúdo bacana na ampla temática da música instrumental/ jazz/ jazz Brasil/ música brasileira. Estamos juntos nas correrias desde o início, mas somos dois grupos distintos. Há ainda uma pequena confusão quando pensam que somos a mesma coisa. Nós do Chaiss não somos os donos da Kombi e eles não são os músicos do Chaiss (risos). Achamos louvável esse estímulo à música, sem frescura, sem pompa. Tocar, se divertir e se houver uma gratificação com alguma grana – seja do chapéu ou de um contrato de apresentação – melhor ainda.
Como é essa história de transformar uma mala de viagem num kit de bateria?
Me inspirei em um kit que achei em uma comunidade de Do it Yourself na Internet, porque já tinha uma ideia tilitando na minha cabeça para colocar um kit de bateria na rua e somar nesse movimento de ocupar o espaço público com mais música. Na época que comecei não havia tantos kits de bateria pequenos e com preços um pouco mais acessíveis como existem atualmente no mercado brasileiro. Daí a solução foi ajustar uma mala plástica para compor o bumbo do kit e sair para tocar. A praticidade dessa opção é poder carregar as próprias ferragens do kit dentro da mala, o que é um grande alívio para um baterista evitar o transporte de muitos cases por aí. Aliás, esses dias atrás eu passei rápido de carro pela Avenida Paulista e vi de relance um cara tocando o que parecia um kit de bateria com um bumbo de mala. Fiquei feliz da vida por ver mais pessoas tocando essa ideia para frente.
Existem outras bandas e projetos que tenham inspirado vocês?
Existem sim e cada um na banda poderia citar uma lista imensa. No geral, pela parte musical, somos inspirados pela música universal: instrumental ou não, seja jazz, música brasileira, músicas clássicas do mundo todo, etc. Na parte da vida prática, particularmente, sempre fui inspirado pela ética do “faça você mesmo”, do tempo em que eu acompanhava mais de perto a cena do punk/HC/rap e do senso de comunidade e incentivo que eu tinha com os meus amigos quando andava de skate. Vejo que isso é algo estimulado por todos dentro do Chaiss, de ajuda aos irmãos no que for preciso.
São Paulo é uma cidade aberta para a música instrumental e o improviso? É crescente o interesse do público por esse tipo de som?
Falar de São Paulo é sempre complicado, diante de sua complexidade. Em alguns lugares essas propostas de som são mais bem aceitas e a cidade possui alguns lugares que já estão consagrados no circuito para esses tipos de posturas de som. O que noto é que nas periferias isso causa uma participação e uma resposta mais quente do público. Tocamos bastante no interior também e a galera curte de um jeito diferente da capital. Creio que temos espaço para isso e ele tem aumentado. Tentamos, junto do Jazz na Kombi e outros parceiros, fomentar o público para esse tipo de som. Sabemos muito bem que não somos pioneiros com essas atitudes, mas reconhecemos bem a importância de se tornar mais um elo na corrente de fazer e propor música autoral e instrumental na rua sem se preocupar se isso venderá milhões ou qualquer outra coisa do tipo. Queremos tocar e produzir. Quem quiser somar é só nos procurar.
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arte | belisa bagiani