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Azoofa Indica: Kika

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É muito interessante quando a personalidade do artista está conectado à sua obra. Conversei poucas vezes com Kika, mas esses pequenos instantes me fizeram pensar que, se eu a fosse traduzir em música, o som seria tipo… um disco de Kika. Neste novo trabalho, “Navegante” – produzido por Victor Rice e financiado via crowdfunding -, a cantora e compositora paulista nos presenteia com 8 faixas de alta qualidade e potência, que emanam tranquilidade, criatividade e liberdade artística, as mesmas características que você repara nela ao tomar um café ou encontrá-la na rua.

Assim como em “Pra Viagem”, seu disco anterior, Kika flerta com uma mistura muito bem-vinda de tropicalismo, reggae e dub. Nas versões (como em pra “Flor de Maracujá”, gravada por Gal Costa), Kika surpreende na levada e no trabalho vocal. Nas composições próprias (como na sensível “Por Aí”, que evoca climas praianos do Havaí), ela mostra potencial pop – ou, pra quem tem ojeriza da palavra, uma capacidade de fazer canções simples e diretas. Nessa toada sem complicações, Kika entrega um grande disco.

Nesta sexta-feira, ela e sua banda estrelada (Victor Rice, Loco Sosa, Guilherme Held e Helo Ribeiro) sobem ao palco da Serralheria para o primeiro show deste trabalho (saiba mais aqui + compre antecipado aqui). Em São Paulo, o show terá participações especiais de Bruno Morais, RitaMaria e Klaus Sena. Depois, ela segue para Londrina, onde toca domingo, às 19h, no Palco Alma.

Kika falou com exclusividade para o Azoofa sobre o disco, sua paixão pelo reggae e sobre uma certa “coragem” em lançar álbum novo nesses tempos estranhos. “Viver de arte no Brasil é mesmo um ato de resistência”.

AZOOFA: Kika, vamos começar do começo mesmo: quais são suas primeiras lembranças musicais? Quando foi que você falou: isso aqui vai ser minha vida?

Kika: Quando eu tinha uns 6 anos, minha tia Aury veio de Recife pra morar com a gente, e ela era uma super cantora. Então desde pequena eu amava música e cantava com ela. A gente fazia muito aquele dueto “Sonho meu”, dos “Doces Bárbaros”. Eu era a Gal e ela era a Bethânia. Ela era linda e pirava em figurino, era irresistível aquela cena rotineira de vê-la passando com um sapato de plataforma, roupas coloridas, toda maquiada saindo pra cantar.

Fui aprendendo violão, tocava escaleta na fanfarra da escola e tal, mas foi só depois de entrar na faculdade de Letras e no CORALUSP que pensei em viver de música. As pessoas que conheci nessa época tiveram total influência, principalmente a Helô Ribeiro, que é minha amiga até hoje e está na banda do show. Ela cantava lindamente, a gente passava horas nos bosques da USP cantando. Era inacreditável a quantidade de músicos que também estudavam Letras no início dos anos 90. Só pra dar uns exemplos: Marcelo Pretto, Camilo Carrara, Beto Furquim, Renata Rosa… Entre os nossos professores estavam Luís Tatit e José Miguel Wisnik. E então foi aí que a minha antiga paixão tomou forma, que estudei arte e entendi melhor o que significaria trabalhar como musicista.

Navegante expõe, expande e celebra umas paixões tuas, que são o reggae e o dub. Como é sua relação com esse gêneros? O que há neles que te fascina?

Minha relação com o reggae começou ligada a outra paixão que tenho: o surf. Eu me lembro exatamente da primeira vez que ouvi, eu estava pedindo carona pra Ubatuba e parou um carioca, eu e minha amiga entramos no carro e logo ele disse: “Vocês curtem reggae?”. E ele colocou uma fitinha k7, devia ser do Bob Marley (risos). Eu tenho amigos que eram surfistas profissionais, acompanhei muitos campeonatos e até já fui pro Hawaii assistir o fim da temporada, e realmente, nessa época o surf e o reggae viviam juntos.

O Dub eu conheci de outro jeito. Fui casada com o Décio7, do Bixiga70, e ele era integrante da melhor banda de dub que eu já vi, o “Rockers Control”. Eu também lembro que logo quando a gente começou a namorar ele já me deu um CD do Studio One.

Parte do disco foi concebido no estúdio do Victor Rice, outra parte foi gravada na casa/estúdio do Loco Sosa, outra na casa do Held… E o disco passa mesmo esse clima de “trabalho entre amigos”. Pra você, fazer música e gravar tem esse espírito de camaradagem?

Sim, total. Tenho sorte com a banda, eles são meus grandes amigos. Na verdade, essa amizade e confiança ajudam muito, porque cada um faz sua parte com total liberdade criativa. No início do processo, quando passei as faixas pro Loco, era um e-mail com um disco do “Love”, uma carta do Osho, uma música do Chet Baker… A afinidade que temos gera um universo comum de referências que facilita muito nossa comunicação. Com o Gui é a mesma coisa, a gente só mostra a faixa e já sabe que a ideia que ele tiver será a melhor. Numa das faixas, ele fez um único take e todos ficamos totalmente satisfeitos. O Cuca faz a maioria das linhas de improviso também. O Victor escreveu os arranjos de sopro, mas sempre deixamos espaço pra ele criar. Na flauta, por exemplo, foi ele que criou todas as linhas. E claro, a maior segurança é ser fã do produtor musical, saber que as decisões dele serão certeiras. Eu entrego a minha parte de olhos fechados, e não interfiro em mais nada.

Como foi a busca pela sonoridade do álbum? Você a tinha em mente ou foi descobrindo ao longo do processo?

Eu acho que esse disco é como uma continuação do “Pra Viagem”, eu queria ouvir aquela mesma sonoridade. Algumas ideias novas, como incluir cordas na primeira faixa, vieram da minha paixão pelo rock dos anos 60, e outros sons foram surgindo no caminho. Uma surpresa boa foi a ideia do Victor de usar um riddim jamaicano em “Flor de Maracujá”. Eu achei uma grande ousadia, mas o que acrescentar a uma música que já foi gravada impecavelmente pela Gal Costa? Achamos assim um caminho, misturar tropicalismo e reggae bem na raiz de cada um.

Navegante tem 8 faixas. Achei isso legal. É um disco curto para uma época de pouca atenção das pessoas para com qualquer coisa. Você pensou nisso?

Sim, eu pensei nisso desde o primeiro disco, percebi essa preguiça até em mim. A minha atenção pra um disco tem mais ou menos a duração de um vinil, tipo 40 minutos. Os CDs são mais compridos, mas eu nunca acostumei a ouvir CD, eu escuto um lado do disco, depois viro e escuto o outro lado. Quando eu fiz o “Pra Viagem” tive essa ideia de fazer 8 faixas e no “Navegante” eu confirmei. Os dois duram menos de meia hora, cabem num vinil de 10 polegadas, eu gosto assim.

O show de sexta na Serralheria vai ter banda de peso e participação de Bruno Morais, RitaMaria e Klaus Sena. Como tão os preparativos? Cê fica nervosa nesses dias que antecedem estreia?

Por incrível que pareça eu fico calma. Já faço isso há tanto tempo e o clima com a banda é tão tranquilo que nem esquento mais. As participações estão dando um toque muito legal, a Helô e a Rita nos coros é um luxo, elas são afinadíssimas. O Bruno tem aquele veludo na voz que é lindo, e o Klaus é um grande parceiro, já fizemos muitas coisas juntos e ele participou do disco desde o início. É legal ele ficar no baixo em algumas músicas porque assim o Victor pode tocar escaleta, e eles mandam muito bem nessa duplinha.

A gente tá vivendo um momento econômico que acaba afetando a cultura, ela que sempre apanha do mundo real. Lançar um disco acaba sendo quase um ato de resistência. Como você vê esse momento pra quem quer viver de música?

Viver de arte no Brasil é mesmo um ato de resistência. Fiquei muito triste ultimamente com alguns ecos da crise política que manifestaram uma tremenda falta de respeito com os artistas. Essa falta de clareza sobre o significado da arte numa sociedade é uma coisa muito séria, e dá um aperto no meu coração perceber que os artistas resistem ainda mais, e abrem caminhos e aos poucos vão criando uma nova realidade. Por outro lado eu vejo com muita esperança o aparecimento de novas alternativas baseadas na cooperação. Fazer um disco é super caro, eu só consegui através de um crowdfunding que deu certo. Eu acho que o conceito de solidariedade é fundamental para recriar nossa sociedade em diversos setores.

“Armour” é uma composição tua em inglês. Como é seu processo criativo em relação às letras?

Eu tenho mais facilidade para compor músicas do que escrever. Geralmente a ideia musical já está pronta e fico quebrando a cabeça pra encaixar o texto. No caso de “Armour” foi o contrário, eu escrevi a letra e depois comecei a cantar a melodia. Eu adoro cantar em inglês, acho a sonoridade da língua muito linda e também acho mais fácil para poetizar, as palavras são curtas, quase tudo rima.

Por fim, queria que você me contasse quais são os 5 discos de reggae/dub que devem tocar numa festa na casa da Kika, rs.

Essa é fácil, porque tenho meus preferidos na ponta da língua:

“In America” – Victor Rice

“Jacuípe Sessions” – Rockers Control

“Easy Star’s Lonely Hearts Dub Band” – Easy Star

“An Afternoon in Dub” – The Slackers

“Reggae Duets” (box set) – Trojan

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arte | marina malheiro


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