Um duo que já foi trio, já foi quarteto e faz mais barulho que muita bigband por aí. Um duo que faz mais barulho que muita bigband por aí, mas que não deixa o volume alto encobrir as palavras. Toda canção tem o que dizer, mesmo quando a faixa é instrumental. Com sotaque punk, o FingerFingerrr é uma das gratas surpresas da música brasileira.
Seu primeiro disco, “Mar”, lançado este ano, mostra Ricardo Cifas e Flavio Juliano enfileirando uma porrada atrás da outra. Não há descanso para o ouvinte. Mas os tiros são certeiros e, ao fim da audição, dá vontade de ouvir tudo de novo, tamanha a adrenalina. Parte dessa vivacidade está na intimidade musical dos dois, que tocam juntos desde 2008.
Neste domingo, o duo se apresenta no Sesc Interlagos – saiba mais aqui. Flavio e Cifas falaram com exclusividade ao Azoofa sobre levar um show em dois, o processo de criação do disco e o poder das letras. “A palavra é só uma palavra sem a entrega, entonação, tesão, volume, grunhido, estalo, melodia, contexto e o arranjo do artista”.
AZOOFA: “MAR” foi lançado há exatos 3 meses. Como vocês tem sentido a recepção de crítica e público ao disco nesse começo?
Ricardo Cifas: Está sendo muito boa. As pessoas tem gostado bastante. A cada lugar que vamos a gente sente que a galera tem se identificado com a ideia do Finger e com o som. Saber que as pessoas estão ouvindo e se interessando é bem gratificante.
Vocês lançaram um EP em 2012 e fizeram muitos shows até lançar o primeiro disco. Como esse período de estrada foi importante no resultado final do álbum?
Ricardo Cifas: Foi nesse período que formatamos a sonoridade do FingerFingerrr e pesquisamos como faríamos para soar bem em duas pessoas. Tocamos muito, viajamos e ensaiamos insanamente. Foi bem proveitoso mas também foi difícil. Deu muito trabalho. Mas estamos felizes com o resultado.
O resultado em disco tem referências de punk, rock e hardcore. É um álbum intenso, com poucos momentos de alívio pro ouvinte. Como foi o processo de gravação do álbum?
Ricardo Cifas: A gente é barulhento. Não tinha como o disco ser diferente disso. O processo foi feito todo no Estúdio El Rocha em fita com takes ao vivo e overdubs posteriores. A gente queria captar a essência da nossa execução com takes inteiros e completos, e depois produzimos essa base. No disco tem de tudo. Desde músicas que fizemos há 2 anos até ideias que compusemos na hora, no estúdio.
Como surgiu a possibilidade de lançar o disco pelo selo Rosa Flamingo, da Tiê?
Flavio Juliano: A gente já trabalhava com o Rosa Flamingo de forma informal antes mesmo de fechar o acordo para “MAR”. Conheço a Tiê há 10 anos – temos uma parceria musical, de escrever música e ter bandas juntos no passado –, então ela sempre esteve envolvida de uma forma ou de outra com o FingerFingerrr. Lembro que ela foi ao El Rocha ouvir e acompanhar as gravações e ali mesmo se empolgou de vez e decidiu que queria lançar, e apresentou sua proposta. Ao assinar o contrato, entrou toda a estrutura foda do Rosa pra ajudar, e ainda temos grandes amigos como o André Whoong e a Nana Rizzini de parceiros de selo.
Como começou a relação de vocês com a música?
Ricardo Cifas: Eu comecei a estudar música aos 6 anos de idade tocando piano e depois fui pra bateria aos 13 anos. Minha casa sempre teve muita música, por mais que os meus pais não fossem músicos.
Flavio Juliano: Além do meu pai sempre tocar bossa nova no violão e tocar vários tipos de música em casa, preciso dizer que começou primeiro com meus irmãos: tocando bandas punks e escutando Information Society, Chili Peppers e Guns em fitas cassete e CDs e construindo half-pipes no quintal. Adolescente, descobri o rap e entrei de cabeça; tudo isso rolou nos EUA, onde eu morava. Então, isso construiu certas atitudes e flows em mim. E depois descobri Beatles, onde aprendi sobre estruturação de música. E depois Strokes, que me fez entender timbragem e separação de drives.
E em que momento vocês se encontraram e decidiram formar um duo?
Flavio Juliano: A gente toca junto desde 2008, com outro projeto que tínhamos, uma banda de 4! Evoluiu e criamos o FingerFingerrr, com 4 membros também, aí viramos um trio e finalmente um duo com as saídas do Gianni e Filipe, que hoje são mega parceiros nossos, desde o lado musical até o lado business. Tá tudo em famiglia tatuado no braço.
Quais são as referências musicais que unem vocês dois?
Flavio Juliano: Nunca pensei nisso. Mas, por cima, acredito que seja a música que diz algo, geralmente através de letras e atitudes. Quando a gente fala sobre uma música ou banda, isso sempre entra como tema: o que estão dizendo e como, e a modernidade em que isso se insere. Tem várias bandas que a gente compartilha do mesmo gosto, e algumas grandes e importantes que não!
Por exemplo?
Flavio Juliano: Tipo Queens of the Stone Age cara, que eu não consigo gostar, e o Cifas ama.
Vocês vem fazendo várias apresentações nos últimos meses. Como é a dinâmica de repertório? Vocês seguem um roteiro pré-fixado para todos os shows, ou costumam mudar muito as músicas de show para show?
Flavio Juliano: Somos um duo, mas podemos intricar as coisas bem legal (risos)! Eu começo o show com o baixo, vou pra guitarra, vou para uma estação de efeitos e synth, volto pro baixo, sempre cantando. Na música ‘Come Back Home’ , preciso grudar um mini synth no baixo pra operar enquanto toco. Tudo isso com um arranjo de 2 amplificadores de baixo e um de guitarra. O Cifas toca bateria, toca synth e canta, tudo ao mesmo tempo, e também dispara bases aqui e ali. Então, o que muda no repertório dos nossos shows é decidir se usamos os synths e gadgets ou não, logo descartando músicas inteiras. Depende do tempo que temos pra armar e também do ambiente. Além disso, a gente tenta buscar mudanças básicas nas partes das músicas, com paradas e tal, pra deixar sempre fresco a parada.
As letras também são bastante claras, diretas, trazendo mensagens ora com olhar coletivo, ora individual, que falam muito ao momento em que estamos vivendo, de hiperconexão, conservadorismos e descrença no ser humano. Como vocês veem o poder da palavra nesse contexto?
Flavio Juliano: Boa pergunta. A palavra é só uma palavra sem a entrega, entonação, tesão, volume, grunhido, estalo, melodia, contexto e o arranjo do artista. Dá pra cantar a palavra mais zuada do vocabulário mas da forma mais bonita, e soar incrível. Não é fácil comentar as letras de “MAR”, porque vejo cada uma delas com uma característica própria e pessoal. ‘Eu Só Ganho’ é um desespero e alívio; ‘Hypnotize’ é uma história mental; ‘Make You See’ é relacionamentos e suas psicologias; ‘Pyrrhic V’ é uma guerra no relacionamento e relacionamento na guerra; ‘Embora Agora’ é desabafo e partida; ‘Quem Te Convidou?’ é amor e raiva; ‘Kanye’ é tudo e nada; ‘X’ é sexo e amor; ‘Encontrei Um Jeito’ é honestidade e ‘Come Back Home’ é insegurança, amor e medo. Eu acredito muito no ‘agora’ e no ‘futuro’. Quando ouço as palavras, nessa ordem tosca “porque antigamente…” e suas variações, eu fico puto, porque é uma negação de todo contexto e momento que você vive. Digo isso porque, na minha opinião, as letras de qualquer artista que está trabalhando hoje é um testamento do agora, e um pouco do que ele/ela gostaria que o futuro fosse. O artista comunica problemas e questões atuais, então é inevitável que irá tocar em assuntos de hiperconexão, conservadorismo e descrença. A pergunta me fez lembrar de momentos de música que curto pra exemplificar isso. Acho esses dois exemplos bem fodas: Radiohead e os discos The Bends e OK Computer, onde tem tantos comentários e desesperos e esperanças da modernidade que mal cabe nos discos. E Kanye West e a maioria das suas músicas tem tanta entrega e sentimento quando ele rima e canta, que eu sempre sinto algo novo quando ouço. Tá tudo igual, mas eu que mudei minha perspectiva daquilo. Por exemplo, essa letra de ‘Hold My Liquor’, e tudo que vem depois. Tem que ouvir pra sacar:
Then her auntie came over
Skinny bitch with no shoulders
Tellin’ you that I’m bogus
Bitch you don’t even know us…
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arte: marina malheiro