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Azoofa Indica: Mahmundi

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Mahmundi tem dois EP’s e um disco lançado (homônimo, que saiu esse ano), mas já foi o suficiente pra fazer um barulho alguns decibéis mais altos do que costuma acontecer com um artista em início de carreira. Pode-se considerar nessa conta a sua bela e ensolarada voz, a qualidade da produção do álbum – assinada por ela mesma – ou até mesmo sua personalidade bastante carismática, mas arrisco dizer que o que de mais importante Mahmundi trouxe foi a notícia de que é possível ser pop – e bem pop – sem que isso signifique falta de profundidade ou apelação.

Tal qual a cena política, a música brasileira hoje vive num Fla-Flu que parece não ter fim. De um lado, os artistas ultrapopulares, que tocam no rádio, vendem shows e cujas canções estão na boca do povo. Do outro, os artistas independentes, que entregam trabalhos de altíssimo nível, mas que sofrem para sair do nicho e abraçar outros espaços. Nesse sentido, Mahmundi ainda não é o tal “artista médio” – que reúne boa popularidade e ambição artística -, mas tem tudo pra ser. Suas músicas não escondem que querem ser cantadas. E por que deveriam?

Nesta entrevista exclusiva para o Azoofa, a cantora carioca – que no RG aparece como Marcela Vale – fala sobre fazer sucesso, aponta as diferença entre Rio e São Paulo para quem vive de música e diz que não gosta de falar de política. “Só torço para que nossos governantes entendem que é plantando a semente da cultura que a gente vai mais longe”.

AZOOFA: Marcela, você lançou dois EP’s, em 2012 e 2013, antes de soltar seu primeiro disco, lançado este ano. Como essa experiência com os EP’s te ajudou na concepção do disco?

Mahmundi: Acho que os EP’s me deram uma maturidade, pra que o disco fosse feito com calma, ver meus erros e meus acertos… Desde que eu era técnica de som até aqui, sou muito feliz por esse período. Acho que a vida tem muito a ver com tempo, né? A gente vem de uma geração muito agitada, e às vezes as pessoas acham que não estão fazendo as coisas, que as coisas não estão rolando. Acho que esses EP’s me deram mais tranquilidade pra pensar os meus passos. Foi com essa experiência de EP que eu aprendi a fazer show, a tocar melhor e ir pra rua mais segura. E me ajudou também a pensar no disco em si, definir que ele fosse um disco de canções.

Você tem influências pop que remetem à música dos 80, e que foge um pouco de uma certa obsessão da atual geração pela sonoridade e poética dos anos 60 e 70. Há um tempo você disse ao jornal O Globo: “quero fazer música que os taxistas ouçam”. Você acha que a sua geração tem medo de fazer sucesso?

Eu acho que na geração de hoje, os valores estão meio confusos. A gente vive no Brasil, né? É um país que está começando a receber muita coisa, embora a internet esteja ajudando a nos colocar em muitos lugares, igualando com o resto do mundo, mas a gente mora num país com pouco acesso a internet, por exemplo. Eu realmente gosto da ideia de tocar no rádio e ser ouvido em vários lugares. Eu lembro quando eu ouvi o Phoenix [banda francesa] tocando no rádio, acho que em 2008, e eu ficava perguntando: de quem é essa música?

As letras do disco não escondem o tom confessional que permeia toda a obra. Como é pra você a experiência de escrever?

A minha relação com a escrita vem dos meus relacionamentos. Das minhas amizades, das experiências que eu tenho desde a época que eu vivia numa comunidade cristã… Sempre fui muito sensível a tudo. E eu sempre quis me comunicar com o outro, com o coração do outro. E eu escrevo com o Roberto Barrucho, que me ajuda com algumas letras, como em “Quase Sempre”, por exemplo. É uma experiência muito legal escrever observando a vida.

Trocar o Rio por São Paulo foi uma escolha que se deu por motivos profissionais? Como está sendo sua relação com a capital paulista?

É uma relação de muita lealdade, muita amizade e companheirismo. Encontrei muitas pessoas legais, que abriram os braços pra mim. E é um lugar de muito profissionalismo também. Viver aqui me deixa mais feliz e com o coração mais tranquilo. Eu me reconheço melhor, me vejo maior enquanto artista em São Paulo.

Pra quem vive de música, o que o Rio tem a ensinar a São Paulo, e o que São Paulo tem a ensinar ao Rio?

O Rio ensina a leveza da arte. E São Paulo ensina que, depois de você fazer um belo projeto artístico, ele pode ser um belo produto, vendido, comercializado e entregue sem medo. O que me traz muita paz hoje em São Paulo é que eu posso transitar fazendo a minha arte e pagando as pessoas que trabalham comigo, pagando os fornecedores, recebendo cachê, pagando meu aluguel… Essa coisa do “mundo dos adultos” (risos) foi São Paulo que me ensinou e me deu coragem pra enfrentar. E às vezes é bom ir pro Rio, pegar uma brisa e trazer um pouco disso pros amigos daqui, que são tão leais.

Essa é a primeira edição do Secret Festival, que acontece em Curitiba na sexta e São Paulo no domingo. Você vai se apresentar nas duas ocasiões. O que achou dessa proposta de tocar em duas cidades pelo mesmo festival?

Eu achei muito foda o Secret Festival. Eu vou fazer um pocket show, vou estar no palco sozinha, o que é legal também. É um outro jeito de cantar, de sorrir, de me dedicar às músicas. É super importante e interessante esse festival. E é muito legal ver a galera do Sofar abrindo tantos espaços pra quem tá começando… Eu agradeço muito a eles, e não por mim, mas por todas as pessoas que eles englobam. É carinhoso e bonito esse presente de se dar um espaço para quem tá começando. E é uma plataforma que também tem pouca grana, então o que está envolvido ali é muito amor à música e muita excelência no trabalho realizado.

Nestas eleições, a maioria dos profissionais ligados à cultura apoiaram candidaturas que acabaram derrotadas. Especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, os novos prefeitos não possuem grandes conexões com a área cultural. Como você enxerga esse momento?

Eu não sei… Eu falo de música. Tem gente que fala de eleições, outras de futebol… Eu falo sobre música. O que eu posso dizer é que eu estou sempre torcendo para que nossos governantes entendem que é plantando a semente da cultura que a gente vai mais longe. Eu sou fruto de pais que me deram uma educação firme, apesar de pobres. São pessoas que enfrentaram muitos preconceitos mas que me fizeram enxergar que eu poderia ser uma pessoa do bem. Meu pai queria que eu trabalhasse com outra coisa, e que esse mundo da arte não me daria dinheiro nem pra comprar uma guitarra pra mim. Mas, com a força da educação que eu recebi, que eu consegui hoje me tornar uma artista e estar aqui falando com você. Isso é muito importante. Eu torço pra que outros jovens tenham essa oportunidade. E eu quero me colocar na posição de ser uma influenciadora, sim. E torço pra que a gente consiga ser feliz. Não tô dizendo que é fácil. Tudo que eu tenho, os equipamentos que eu tenho, foram todos comprados com muito suor. As coisas continuam difíceis de qualquer forma. Mas eu acredito que é possível a gente recuperar essa memória, e olhar daqui pro futuro. 

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arte | marina malheiro


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