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Trupe Chá de Boldo lança “Verso”; ouça e leia entrevista exclusiva

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A Trupe Chá de Boldo lança nesta sexta-feira seu novo disco, “Verso”, primeiro trabalho não autoral do grupo formado por 14 artistas. Gravado no estúdio Submarino Fantástico, em São Paulo, “Verso” reúne canções de 14 compositores: Alzira E, André Abujamra, ArrudA, Fernando Maranho, Gero Camilo, Gustavo Souza, Iara Rennó, Juliano Gauche, Léo Cavalcanti, Marcelo Segreto, Negro Leo, Pélico, Peri Pane, Tatá Aeroplano e Tata Fernandes. Esta também é a primeira vez que o grupo assina coletivamente a produção musical. Ouça em todas as plataformas.

Comemorando 11 anos de carreira em 2017, a Trupe é uma das mais interessantes formações da música brasileira atual. Seu modelo administrativo-artístico radicalmente democrático pode explicar como uma banda de 14 cabeças alcançou uma identidade musical bastante própria e, ao mesmo tempo, incrivelmente versátil, como atestam neste excelente “Verso”. O lançamento nos palcos está marcado para 30/06, na Autêntica, em Belo Horizonte, e 07/07 no Sesc Pompeia, em São Paulo.

O Azoofa bateu um papo exclusivo com Marcos Ferraz, o Mumu, saxofonista e assessor de imprensa da banda. “Fazer arte coletivamente, de modo horizontal, é uma resistência num mundo tão individualista. É político”, diz.

AZOOFA: Como surgiu a ideia de fazer um disco de intérprete? É um movimento algo inesperado para uma banda cheia de compositores… 

Marcos Ferraz: Pra Trupe, fazer e produzir música sempre foi algo muito coletivo. Acho que só faz sentido se tiver troca, convívio, diálogo – se não, não era uma banda desse tamanho. E pra além do convívio das 14 pessoas que integram a banda, que já é muita coisa, a gente sempre procurou trocar e produzir com outros artistas que admiramos. Então, quando comemoramos 10 anos, no ano passado, surgiu essa ideia de fazer este projeto de gravar músicas de pessoas que passaram pela nossa trajetória de algum modo: com quem fizemos show, ou gravamos, ou dividimos alguma experiência. De certa forma, é um disco que celebra os encontros, os vários encontros da nossa história. Mas a gente continua compondo coisas novas. Daqui a pouco pode vir um trabalho autoral.

Vocês deixam claro, no release, que o repertório foi escolhido por critérios de “amizade e troca”. Como se deu a seleção das músicas? Vocês partiram de uma lista enorme ou essas canções e compositores já vinham fazendo a cabeça de vocês?

Amizade e troca, mas com artistas que admiramos muito. Não basta ser amigo. A gente tinha que acreditar nessas músicas, no som dessas pessoas. Rolou uma lista inicial que começou bem grande, fomos fazendo várias seções de escuta pra escolher as músicas, cortando, selecionando e discutindo em quais enxergávamos caminhos novos para os arranjos. Não bastava gostar da música – tínhamos que ver um caminho para criar algo em cima. E algumas nunca foram gravadas. Teve música que foi mandada pra gente especialmente pro disco. Outras foram registradas há muito tempo. Mas foi durante os ensaios que a gente bateu o martelo. Dentro do estúdio vimos o que tava soando bem ou não.

No release, há um trecho que diz: “Verso é o primeiro registro sonoro em que a trupe chá de boldo assina a produção musical, ampliando o trabalho coletivo, autogestionário e democrático radical que move a banda há 10 anos”. Como é isso na prática?

Na Trupe, tudo é decidido coletivamente. Ninguém manda mais que ninguém. É uma banda que não tem líder, uma relação horizontal. Na prática, isso é um grande desafio, porque tudo tem que passar pelo crivo de uma ‘multidão’ de 14 pessoas. Então, pra decidir as coisas é demorado, dá briga, gera debates. E a gente sempre busca um consenso, mas nem sempre é possível. Aí rola votação… arrumamos uns jeitos de resolver a coisa. Acho que isso nos ensina a tolerar mais a opinião dos outros, abrir mão das nossas ideias, bater o pé em alguns casos… Nem sempre vai resultar como você quer, mas vai resultar sempre em algo que é da banda.

Como foi a experiência de 14 pessoas produzirem o disco?

Foi bem diferente dos outros discos. Desde o início da banda, o trabalho de produzir os arranjos sempre foi muito coletivo. Mas, na hora de gravar os discos, vinham os produtores – caras muito feras, como o Gustavo Ruiz (Nave Mãnha e Presente) e Alfredo Belo (Bárbaro) que tinham sempre um olhar externo e nos ajudavam trazendo ideias, descartando ideias etc. Dessa vez, a gente não teve essa pessoa. Queríamos fazer um disco diferente, em vários sentidos: não ter composições nossas, criá-lo num processo mais rápido e assinar a produção a gente mesmo. Sem essa pessoa de fora, tivemos que ficar mais atentos ainda a escutar o outro, a abrir mão das próprias ideias, a dialogar. Ao mesmo tempo, é uma decisão específica pra esse disco. Não significa que no próximo não vamos ter um produtor.

Vocês também creditam o Ota, do estúdio Submarino Fantástico. Qual foi a importância dele pro resultado do disco?

O Ota [Otavio Carvalho, engenheiro de som e baixista do grupo Vitrola Sintética] foi nosso técnico no estúdio e fez a mixagem. Ele teve um papel muito importante no disco. Ele é um cara que sabe criar um ambiente muito agradável pros músicos no estúdio dele, o Submarino Fantástico, e tem um olhar crítico na hora da gravação, de ajudar a selecionar se um take foi bom ou não, se faz outro… E na mixagem ele propôs muita coisa – efeitos, timbres. Ele foi muito cúmplice nosso nesse processo.

Em 2016 vocês celebraram 10 anos de Trupe. São 3 discos, uma enormidade de apresentações, participações, vídeos etc. A Trupe é, certamente, um dos rostos que deveria estar um quadro que ousasse registrar o que de mais interessante aconteceu na música brasileira na última década. Como você vê o grupo dentro desse contexto?

Obrigado pelo elogio! É uma pergunta difícil. Posso falar por mim, porque cada um da banda vai pensar de um jeito. Acho que essa última década foi muito produtiva pra música brasileira, e muito por conta de uma dinâmica de troca entre os músicos, de diálogo. É muito comum citar pessoas do passado quando se responde sobre influências. Mas sempre fomos influenciados por essas pessoas que estão produzindo atualmente. Até por isso veio esse disco de versões. Acho que é surpreendente ver, 10 anos depois, que aquele grupo de amigos que se juntou pra fazer um som, de maneira completamente descompromissado, continuou junto e caminhou junto, mesmo sendo uma banda do tamanho que é, e com todas as dificuldades que isso envolve – dificuldades de convívio, financeiras, etc. E a gente continua junto. Fazer arte coletivamente, de modo horizontal, é uma resistência num mundo tão individualista. É político.

A turma é grande e 10 anos mudam qualquer coisa, ainda mais as pessoas. De 2006 pra cá, o que mais se alterou e o que permaneceu intacto entre vocês?

É mais ou menos um terço da vida de cada um dentro da Trupe. Eu tenho 31 e há 11 anos faço parte do grupo. É louco ver que a gente se transformou junto. A existência da Trupe influenciou muitas mudanças de cada um. E o que permaneceu intacto… acho que nada permaneceu! Existe uma vontade enorme de fazer música, de tocar, estar junto. Não sei até quando vai, mas me parece que isso ainda vai longe…

E o mundo muda a gente, obriga a se posicionar nas questões fundamentais do nosso tempo, seja através da nossa música ou do que a gente fala. Por exemplo, o retrocesso que o Brasil vive hoje depois de um golpe é um exemplo concreto de um momento que nós temos que se posicionar. Estamos sempre atentos a isso. A gente muda enquanto tenta mudar um pouco o mundo, pra que ele seja menos careta, menos conservador, tantas vezes opressor.

Você e o Gustavo Cabelo estão assumindo a divulgação pra imprensa do disco e a Julia Valiengo é a autora das fotos de divulgação. Me parece outro exemplo de como funciona uma Trupe, em que todos tem funções diferentes e às vezes trocam de posição. Como se dá isso na banda?

Desde o começo foi assim: cada um assumindo funções pra além da parte musical. Eu era o tesoureiro – hoje é a Leila -, tem um que marca os ensaios, as meninas fazem a parte gráfica dos discos e dos flyers, outro pensa nos figurinos, outro cuida das redes sociais. Ser banda independente é isso. É cuidar das várias coisas que envolvem ser uma banda, e que às vezes as pessoas de fora nem percebem que existem. Eu e Cabelo na assessoria, Julia nas fotos, Remi cuidou da edição das músicas junto com o Ota, a produção é da banda…. Nesse disco, a gente decidiu radicalizar essa experiência autogestionária. A banda assumiu ainda mais tarefas, que antes a gente delegava. Isso tem a ver com grana, mas não só. Foi uma escolha mesmo. Somos 14 cabeças que fazem coisas além da música. Porque não aproveitar isso?

Indo um pouco além: a coisa de toda banda/artista precisa ter um bom produtor, e lançar o disco por um bom selo, contando com uma boa assessoria de imprensa etc… a gente vive um momento super confuso, no sentido de que as regras do que dá certo fazer/não dá certo são quebradas a todo momento. como vocês enxergam o atual momento de quem vive de e para música?

É isso, não tem mais regra e isso é muito bom. O fato de músicos assumirem vários papeis e tocarem suas carreiras sem a ajuda de uma gravadora, isso já é um lugar comum. O que eu acho mais interessante é pensar que até “o que é ser independente” já está em transformação. No nosso caso, sinto que a gente vai tateando, vai procurando, vai descobrindo, vai fazendo, vai encarando também o não saber. Não abrimos mão de ser independente. Não como um rótulo, mas no sentido de que sempre vamos fazer a música que a gente acredita. Não pra fazer sucesso ou qualquer coisa assim.


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