São 6 da manhã no aeroporto internacional. Horário de músico de saída, passagens mais baratas, dá tempo de chegar no mesmo dia do show e passar o som. Entre 7 e 11 da manhã também muitos encontros. Semana passada um abraço em Black Alien, na surpresa, na hora das malas, Betão Aguiar no check-in do lado.
Horários must de chegada, depois do vôo na madrugada, passar no hotel, tomar um banho, arrumar a mala no modo jogada, roupa suja no saco de Bom Preço, pagar a castanha ruim e cara que, de novo, não se aguentou e comeu, aquela água assassina de 5 reais e ir de volta pro terminal internacional, com cara de anteontem, humor bem bonzinho, colegas idem.
Chegamos na cidade nova. Voz, baixo, bateria, guitarra, guitarra, teclado e trompete. Tem mais umas 3 horas de van. “Não posso ver uma van que acho que é pra mim”, diz Beto Gibbs.
Antes era melhor porque da van, da kombi, do ônibus dava pra ver a paisagem, com as cores dela mesma. Agora – e agora faz muitos anos – tem as películas demônio, que embaçam exatamente a melhor coisa de viajar por terra: as paisagens. Isso quando não é película pontilhada, que vira uma tela de tecido feio em cima do filme que passa pela janela.
De dia ainda dá pra olhar a vista, mas a gente perde aquele sol esturricado, cozinhando a terra, a serra, as árvores e o asfalto. Se for viagem de tarde a gente perde a luz se esvaziando, perde o ventinho na cara, vai com o ar gelado condicionado no nariz. Isso é uma perda grande, eu realmente preferia as janelas anos 90. O asfalto anos dois mil e tantos é melhor, realmente, mas não sei se compensa. Acho que não.
Escrevia mais nas estradas na época do vento na cara e asfalto ruim. Não fiz uma pesquisa, mas tenho impressão que na rinite da van turnê de olhos fumê não tenho tanta visão assim.
Chegando no palco apita tudo depois resolve. Às vezes apita demais e você volta meio surda, mas não é reclamação, é avaliação. Crônica de costumes. Balanço da vida.
Ainda não fiz show pegando barco, o que significa que ainda não fui em lugares no Brasil dos mais importantes.
Na Espanha fui, lembrei agora (na verdade é na África, mas é da Espanha). Toquei com a Comadre Fulozinha nas Ilhas Canárias em 2007 e pegamos barco de Tenerife pra Lanzarote. Coisa boa, coisa bonita.
O maracatu Estrela Brilhante do Recife, minha nação, já foi pra Europa em navio de carga. Nessa época eu não estava mais junto. Queria ter ido. Talvez melhor se a gente fosse num navio de passageiros mesmo, mas isso é uma outra história. É a mesma, mas pra uma outra hora só pra ela.
Tem duas horas de intervalo antes do show. Chama de intervalo, mas é o tempo do banho, make, figurino. O cabelo tá uma tragédia. Se tiver levado dois figurinos melhor, porque às vezes tá na agonia de ser transparente, não quer ficar exposta na avenida, às vezes deseja essa liberdade mais que tudo. Gente é bicho estranho demais.
Uma hora e pouco de show, o estilo é rock nacional. Balada depressiva, negócio de poesia, um pouco de baião e ciranda embutidos, nosso buffet.
“Não me ouvi, você ouviu?”.
“Ouvi demais. Melhor você usar in-ear”.
“Gosto não, me sinto sozinha dentro do meu ouvido, a caixinha sai voando e machuca meu lombo”.
“Então tem que se acostumar”.
“Tá”.
Viajar pra tocar passa rápido mas condensa tudo. A cidade longe da propaganda. A cidade, qualquer ela, em dia de show é bem bonita condensada. As horas desmanteladas no dia que dura minutos mas vale semana.
Elke Maravilha – depois que você conhece ela usa de exemplo em qualquer assunto – diz que já nasceu velha. Ela já morava num show antes de nascer. Os dias concentrados com música, com teatro…envelhecem e isso é bom, isso é legal.
Passou romantismo, próximo tópico?
“Foi bom o show? “.
“Que show?”.
“O de quinta feira”.
Faz as contas. Revira os olhos. Quinta foi onde mesmo?