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Azoofa Indica: Fred Martins

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“Noite de S. João para além do muro do meu quintal

Do lado de cá, eu sem noite de S. João

Porque há S. João onde o festejam

Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite

Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos

E um grito casual de quem não sabe que eu existo”

Foi inspirado pelos versos de “Noite de São João Para Além do Muro do Meu Quintal”, do poeta português Alberto Caeiro – heterônimo de Fernando Pessoa – que o músico brasileiro Fred Martins concebeu seu mais novo disco. “Para Além do Muro do Meu Quintal” é o título do álbum e da única canção que Fred assina sozinho – as outras treze são criações dele com parceiros. O poema é, também, uma espécie de metáfora para a decisão de Fred de convidar músicos brasileiros, africanos e portugueses para a gravação do disco. “Trouxe músicos e sonoridades que fui encontrando em viagens”, diz o carioca, que vive em Santiago de Compostela há 5 anos e que, durante anos, trabalhou na transcrição das partituras dos clássicos songbooks de Almir Chediak.

Gravado em Portugal, “Para Além do Muro do Meu Quintal” traz algumas faixas de sua autoria que já foram gravadas por nomes consagrados da MPB, como Ney Matogrosso, Maria Rita e Zélia Duncan. A cantora cambo-verdiana Nancy Vieira e o paulistano Renato Braz são as participações especiais do álbum, que tem também Bony Godoy (baixo), Marcelo Martins (flautas) e Pedro Pascual (acordeom diatônico). O resultado é um disco que se equilibra magistralmente entre a fluidez e a densidade e que, faixa a faixa, faz brilhar o poder de Fred como compositor.

O músico faz show de lançamento do álbum neste sábado (07/11), em apresentação única na Casa do Núcleo. Com exclusividade para o Azoofa, Fred fala sobre a decisão de gravar o disco em Portugal, reflete como a experiência de transcrever songbooks lhe inspirou como compositor e dá o segredo para quem quer criar em parceria. “É preciso deixar o ego cochilando”.

AZOOFA: Fred, como começou a tua relação com a música? Quais as primeiras lembranças que você tem da música na sua vida?

Fred Martins: São dos ensaios dos blocos ou pequenas escolas de samba em Niterói. A ala da bateria sempre me impressionou muito. Também das músicas dos terreiros de Umbanda e das festas pra Iemanjá, nas praias, no fim de ano. E as canções das rádios (numa época em que o repertório delas cobria um espectro amplo). Lembro da abertura de novelas de TV com músicas incríveis do Tom Jobim (como “Luíza”) ou “Wave” na voz do João Gilberto ou “Vitrines” do Chico Buarque…

E em que momento ela virou profissão?

A música como profissão me abraçou de forma gradual, mas desde cedo, ainda adolescente, quando comecei a dar aulas de violão. Segui com as aulas durante bastante tempo. Aos 19 anos, comecei a trabalhar também com a transcrição de partituras para os songbooks do Chediak.

Você teve essa experiência de transcrever as partituras de grandes compositores da música brasileira para os songbooks do Almir Chediak. Como começou isso? Você consegue mensurar de que maneira esse trabalho te influenciou como compositor?

Iniciei os trabalhos de transcrição na editora do Almir por recomendação do Ian Guest (instrumentista e arranjador). O Almir havia estudado com o Ian e o convidou para traçar as diretrizes da escrita dos songbooks. É um trabalho meticuloso. No começo o trabalho me custava tempo e paciência. Com a prática, o ouvido se tornou mais maleável e ágil. Mas o prêmio, após passar anos a dissecar a obra de tantos mestres da MPB, foi imenso. No meu caso, acho que não poderia haver melhor formação para quem, no Brasil, tem como objetivo um boa desenvoltura na composição de canções populares. Sinto que nesse mergulho em obras de gente grande – como Tom, Noel, Chico etc – algo de cada gênero ou autor sempre se somava ao meu vocabulário harmônico, melódico e letrístico.

“Para além do muro do meu quintal” é o sexto álbum da sua carreira, o primeiro gravado fora do Brasil. Por que a ideia de fazê-lo fora do Brasil?

Faz 5 anos que estou morando em Santiago de Compostela, Galiza. É na região noroeste da Península, fronteiriça com Portugal. Fui à Galiza pela primeira vez convidado a tocar em festivais e acabei ficando por ali. Logo fui convidado pela “bailaora” María Pages a participar como compositor e músico do espetáculo que a sua companhia de balé flamenco encenaria, inspirado na figura e obra de Oscar Niemeyer. Passei então a estar mais assiduamente em Madrid para a montagem do espetáculo, que veio a se chamar Utopia. Além de temporadas mais longas em Madrid ou Barcelona, estivemos viajando por 4 anos para muitos países da Europa, América e Ásia. O CD foi gravado entre uma e outra viagem com Utopia.

O projeto tem nome tirado de um poema de Fernando Pessoa, foi gravado em Portugal e conta com produção e participação de músicos lusitanos. Qual tua relação com o país? E porque escolheu Portugal?

O músico açoriano Paulo Borges, diretor musical do festival Cantos na Maré, do qual participei em 2009, em Pontevedra, foi quem teve a ideia de reunir comigo um punhado de canções e levar ao estúdio. Daí o motivo de gravarmos em Lisboa, onde reside o Paulo Borges. Também por, nesse ínterim, eu ter travado contato em Portugal com músicos portugueses, brasileiros e africanos que se entenderam bem com minha música. Trouxemos também para o disco músicos e sonoridades que fui encontrando em outros cantos de Espanha e durante esse período de viagens. O verso da canção que fiz sobre o poema de Alberto Caeiro, “Para além do muro do meu quintal”, traduz, no meu entender, esse estado de coisas.

O Ney Matogrosso tece elogios às suas composições e também a você como intérprete. Como começou a relação entre vocês?

Em 2009, o Ney Matogrosso preparava um disco onde focaria em músicas inéditas, primordialmente de novos autores. Foi aí que a Lucina (cantora e compositora, da dupla Luli e Lucina) me pediu uma fita com algumas músicas para levar ao Ney. Ele acabou gravando a canção “Novamente”. Mais tarde tocamos juntos em shows. Ele gravou também “Tempo Afora” e cantou em dueto comigo em meu segundo disco, “Raro e Comum”. Agora, ele acaba de gravar três músicas em meu DVD, que sairá em 2016. O Ney é um cara sincero.

As 14 canções do álbum são assinadas por você em parceria com outro artista. Queria que você comentasse sobre essa facilidade, imagino, que você tem de dividir a criação com outra pessoa. Como funciona isso pra você?

Sim, trabalho com vários letristas poetas. Comecei arriscando canções com o poeta Marcelo Diniz, amigo de longa data. Logo vieram o Manoel Gomes, Roberto Bozzetti, Alexandre Lemos, Fred Girauta, Francisco Bosco. O que faço é gozar de total liberdade para favorecer o resultado musical, que é a canção em si. Nesse processo, os egos devem tirar um cochilo.

A única canção que você assina sozinho é “Noite de São João”, que você musica um poema de Pessoa. Como se deu essa composição?

A canção “Noite de São João” nasce como um exercício de composição para as aulas com o professor Koellreutter (compositor e professor de Tom Jobim). Para minha sorte, ele gostou muito da música. Lembro da cena de quando lhe entreguei a partitura para que a avaliasse ao piano. Ele tocou uma vez lentamente. Depois, repetiu com mais ênfases. Na terceira vez, já tocava o piano e olhava para mim e para a partitura alternadamente, até que exclamou: “rapaz, você é um compositor!”. Hans Joachim Koellreutter deu aulas pra muita gente que admiro, como o Paulo Moura e Tom Jobim, por exemplo.

Que tal fazer o show de lançamento em São Paulo?

Adoro Sampa. É sempre bom poder voltar à cidade. Em 2006, ganhei o Prêmio Visa de Compositores. Desde então passei a frequentar e conhecer muita gente boa da música paulistana. Cheguei a morar por quase 3 anos na cidade antes de ir para a Espanha.  É um cidade multicultural, e de amigos queridos.

O que você está preparando para o show deste sábado?

Neste sábado farei um show inimista: voz e violão. Como pede o local, que é acolhedor e tem óptima frequência. Tocarei várias musicas deste CD, como Tempo Afora, Depressa a Vida Passa, e também outras de ontem e de amanhã.

Há outras datas de shows definidas?

Dia 29 de novembro me despeço dessa temporada brasileira com um show no teatro Décio de Almeida Prado, no Itaim Bibi. Em seguida, voo direto de Sampa pra Madrid.

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arte | belisa bagiani


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