Há exatamente uma semana, em todo o planeta, alguns seres humanos fanáticos por música tiveram que parar o que estavam fazendo e, por um segundo, assimilar que George Martin havia morrido. Essa introdução soa dramática, e é. A saída de cena de Martin é equivalente a de John Lennon, em 1980, e a de George Harrison, em 2001. E não sou eu que estou falando, mas sim Paul McCartney. Em uma carta escrita logo após a morte de Martin, ele disse: “se alguém merecia o título de quinto beatle, foi ele”.
Embora idolatrado por parte dos beatlemaníacos, George Martin e sua obra são admirados de maneira um tanto mais profunda por seus colegas de profissão, os produtores musicais. Adjetivos como “gênio” e “revolucionário” são comumente usados por essa turma quando se referem ao homem que produziu todos os álbuns da banda mais importante do planeta.
Sua influência não encontra fronteiras, nem mesmo a do tempo. E prova disso está aqui. Convidamos quatro produtores brasileiros – Arthur Joly, Beto Villares, Fabio Pinczowski e Otavio Carvalho – para comentar o impacto da morte de George Martin e explicar a grandiosidade de seu trabalho. Ao lado da foto de cada um, está a resposta a uma clássica pergunta difícil: qual seu disco preferido dos Beatles?
ARTHUR JOLY
Qual foi o impacto da notícia da morte do George Martin pra você?
Senti como se um grande mestre tenha ido embora. Como se fosse o George Harrison ou o Lennon.
Você me disse que é devoto do George. Qual você acha que foi a grande contribuição dele para a música e, mais especificamente, para a arte da produção musical?
Sim, acho o que ele fez para a música de grande importância. Sou devoto porque também gosto de gravar em fita, com poucos canais e focar na performance do artista. George tinha o melhor equipamento analógico que já existiu e a melhor banda que já existiu. Portanto, ele tinha tudo o que um produtor como eu tinha para ser feliz.
Na discografia dos Beatles, qual você acha que é o grande momento dele como produtor?
Acho os melhores momentos o “Sgt. Peppers” e o “Revolver”.
Se você fosse escolher apenas uma música para definir o legado do George, qual seria?
“A Day in The Life”. A única música do mundo que me faz chorar de emoção. Ainda mais quando vi imagens dela sendo feita no Anthology [filme-documentário lançado em 2000].
BETO VILLARES
Qual foi o impacto da notícia da morte do George Martin pra você?
Tristeza por sentir o mundo cada vez com menos gigantes vivos. Um gigante vivo é sempre alguém que pode escrever, contar algo, acrescentar, mas de todo modo, tem muita coisa escrita sobre ele, e por ele também, não é? Tem a reflexão do tempo passando e tudo mais… Mas ele não desaparecerá tão cedo como uma referência. George é um ícone da produção musical.
Qual você acha que foi a grande contribuição dele para a música e, mais especificamente, para a arte da produção musical?
A grande contribuição talvez seja a consagração da ideia de que o estúdio é um elemento de criação, uma ferramenta de criação musical. Então, além do primor e do conhecimento técnico, há a noção de que podemos expandir, mexer com o som e torná- lo mais expressivo, através da maestria dos processos de produção, do arranjo musical, da manipulação do som por meios eletrônicos ou eletroacústicos.
Na discografia dos Beatles, qual você acha que é o grande momento dele como produtor?
Não sei dizer, mas acho que tudo junto! Talvez o início, desde mexer no lugar do refrão de “She Loves You” e ajudar a banda a estourar de imediato! Sem ele não há Beatles.
Se você fosse escolher apenas uma música para definir o legado do George, qual seria?
Acho difícil falar de uma música, sempre são várias e variadas, com idéias incríveis de arranjo e sonoridade. Mas “Eleanor Rigby” é uma radical, onde nem a banda toca, só cordas e vocais! E não deixa de soar Beatles nem por um segundo, apesar do descanso das guitarras, baixo e bateria.
FABIO PINCZOWSKI
Qual foi o impacto da notícia da morte do George Martin pra você?
Ele era uma espécie de Jedi do arranjo e da produção musical. É muito triste perder uma entidade dessas. No caso dos Beatles, com certeza ele catalisou muito do que os quatro integrantes projetavam para as canções.
Qual você acha que foi a grande contribuição dele para a música e, mais especificamente, para a arte da produção musical?
Vindo de uma formação clássica, uma das qualidades que ele possuía era de integrar muito bem essa linguagem com a música pop. As orquestrações e as construções vocais eram muito sofisticadas, cabiam nas canções sem nenhum ar pretensioso.
Na discografia dos Beatles, qual você acha que é o grande momento dele como produtor?
Acho que a partir do Rubber Soul os arranjos deixaram de ser uma fotografia pra virar uma espécie de pintura. Com o aval da EMI (após muita luta), eles saíram da prisão das regras de gravação, uma espécie de “manual” que dizia onde era permitido posicionar microfones e onde não era, e passaram a experimentar novas sonoridades. Acho que junto com o Geoff Emerick [engenheiro de som], esses dois criaram uma nova forma de registrar as canções.
Se você fosse escolher apenas uma música para definir o legado do George, qual seria?
“She’s Leaving Home”.
OTAVIO CARVALHO
Qual foi o impacto da notícia da morte do George Martin pra você?
Pensei no quanto esse cara foi importante no mercado musical e como temos perdido artistas geniais, que romperam barreiras e influenciaram gerações. Não vejo outros caras desses surgindo.
Qual você acha que foi a grande contribuição dele para a música e, mais especificamente, para a arte da produção musical?
Acho que a forma que ele trabalhou com os Beatles e como ele conseguiu extrair e organizar a loucura desses caras é absurdamente significativa para a indústria fonográfica. Nos livros, vídeos e depoimentos, você consegue ver a importância dele nos aspectos técnicos, artísticos e até psicológicos do grupo.>
Na discografia dos Beatles, qual você acha que é o grande momento dele como produtor?
Eu acho que o grande momento do George Martin foi a produção do Sgt. Peppers, ali muda tudo na produção fonográfica mundial. Até hoje, mais de cinquenta anos depois, ainda soa disco louco, e você ouve fragmentos dele reverberando em coisas novas.
Se você fosse escolher apenas uma música para definir o legado do George, qual seria?
Difícil selecionar um momento específico. Penso em “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” pela forma que a canção é costurada, “Eleanor Rigby” pelo arranjo de cordas e “Tomorrow Never Knows” pelo jeito que a loucura de cada integrante foi organizada ali.
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arte | belisa bagiani
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