Este texto está sendo digitado no teclado de um computador conectado à internet. Esta entrevista foi enviada por e-mail e respondida por e-mail. Se você está lendo-o, é porque também está na web. E o novo disco da Filarmônica de Pasárgada, “Algorritmos”, que trata justamente da relação humana com a internet, sai amanhã em todas as plataformas… digitais. ”A nossa vida cotidiana está sempre mediada pela internet, né?”, observa Marcelo Segreto, principal compositor do grupo – das 24 faixas do álbum, 18 são deles. Há parcerias com Tom Zé, Tim Bernardes e Fernando Henna, dentre outros. A produção é de Ale Siqueira. O show de lançamento é nesta sexta-feira (02/09), no Auditório Ibirapuera – saiba mais sobre o show.
Foi da constatação da onipresença do “mundo paralelo da internet” no nosso dia a dia que Segreto enxergou a possibilidade de que o terceiro disco do grupo – formado em 2008 por ex-alunos da ECA-USP – explorasse essa temática. Os títulos das faixas entregam os caminhos percorridos, como, por exemplo, em “144 caracteres”, “Você quis dizer: Filarmônica de Pasárgada” e “7 Comentários”, esta com a participação de diversos artistas, como Guilherme Arantes, Tatá Aeroplano e Cacá Machado.
Com exclusividade para o Azoofa, Segreto explica como foi o processo de pesquisa para o disco, fala de José Miguel Wisnik e da influência acadêmica sob a produção da banda. “Acho que a universidade pode ajudar bastante no sentido de ajudar as pessoas a se abrirem para o mundo de um jeito transformador e bacana”.
AZOOFA: Segreto, o disco tem uma temática – a internet – e você destrincha quase todos os aspectos inerentes à vida na rede. Como te veio a ideia de compor quase uma “ópera” sobre o mundo digital?
Marcelo Segreto: Acho que a ideia veio dessa força que a internet tem. A nossa vida cotidiana está sempre mediada por ela, né? A vida pessoal, a vida profissional, tudo passa pela internet. Achei então que daria pano pra manga. Como a internet é muito presente e complexa, foram surgindo, meio que naturalmente, muitas ideias de canções.
Imagino que você tenha feito pesquisas para chegar nos tipos, comportamentos e situações que aparecem ao longo do disco. Como foi esse processo?
O processo foi bem divertido e instigante. Comecei a me interessar por artistas de web arte, conhecer as suas obras, os seus processos. Na faculdade de artes plásticas da USP, há inclusive alguns professores que estudam web arte. Lá eu cursei uma matéria como ouvinte. Essa pesquisa me ajudou bastante na hora de escolher o caminho de criação das canções. Vi que esses artistas mexiam com a estrutura da web para criarem as obras. Achei então que, mais do que citar expressões de internet, seria mais legal usar a própria estrutura da web pra compor as canções.
Como é a tua relação pessoal com a internet? É ultra conectado ou não é muito ligado nela?
Varia. Não estou sempre conectado, mas gosto de participar desse universo paralelo da internet (risos). Acho que é meio impossível não estar nem um pouco conectado, diretamente ou indiretamente. Quando só havia a tevê, alguns assistiam mais e outros menos. Mas de alguma forma todos ficavam sabendo o que tinha sido transmitido em tal programa… Nesse sentido, acho que as coisas continuam sendo as mesmas, né? (Apesar de que, no tempo da televisão, não havia pessoas procurando pokemons na rua, risos).
Especialmente nesse disco, de que maneira a internet te ajudou?
Acho que ajudou a me conhecer melhor (a frase é meio brega, mas é verdadeira). É que, na medida em que fui compondo as canções, fui observando que as estruturas que a gente vivencia na rede são, muitas vezes, as mesmas estruturas que vivenciamos na nossa vida pré-internet. É claro que a internet potencializou inúmeras coisas. Mas no fundo, a estrutura humana é a mesma. No disco eu tentei pensar nas estruturas da internet como estruturas já existentes na vida do homem antes da internet. A canção Kiwi, por exemplo, brinca com o wiki, aquele lance do software colaborativo, no qual um texto vai sendo construído coletivamente. Essa estrutura de construção coletiva é a mesma estrutura de transformação de uma língua, por exemplo. Naturalmente as pessoas vão transformando a língua falada. A língua portuguesa vai mudando de acordo com a colaboração dos falantes ao longo da história… O funk carioca Kiwi vai um pouco nessa onda, como se a luta contra a homofobia tivesse que ser construída coletivamente pra dar certo, sabe?
Em “São SP”, a solidão não é causada pela internet, mas pela própria cidade, e pelas pessoas (a letra fala em “cada um no seu ap”). Você acha que a vida digital tem contaminado mais essa sensação de “solidão em meio à multidão” que temos na cidade?
Com certeza. Acho que é aquela ideia de a internet ter potencializado essas coisas, né? Mas a experiência de se sentir sozinho em meio à multidão, como você bem disse, é algo que faz parte da experiência do ser humano há muito tempo e já foi tratado por muitos poetas, muitas obras…
Em “7 comentários”, vocês juntaram uma galera pra cantar o que uma outra galera compôs. Como foi essa ideia?
Foi muito bacana a criação dessa canção, pois resultou numa diversidade de dicções muito legal. Dicções dos compositores parceiros misturadas às dicções dos intérpretes. O processo foi bem legal e prazeroso também. Eu fiz um refrão “Olha a selfie que eu tirei/ Alguém aí me diz / Se eu tô triste ou tô feliz? / Se eu sô Frida ou sô Celebrity / Dois pontos e parêntesis” e mandei esse refrão por e-mail para amigos compositores como se fosse um post. Não sabia quantos amigos responderiam ou comentariam… Ao final, o post teve 7 comentários!
Zé Miguel Wisnik é um importante compositor, mas também um dos maiores pensadores da música brasileira. E o trabalho dele, na minha opinião, tem tudo a ver com o da Filarmônica. Como se deu essa participação?
É que eu só chamava o Zé Miguel pra participar de umas coisas muito chatas como banca de mestrado e qualificação (risos). Achei melhor eu convidar ele pra cantar, afinal ele já se aposentou da USP (risos). Brincadeira. Realmente, o Wisnik é um grande pensador e compositor e é uma pessoa muito bacana. Um cancionista que me inspira bastante com suas melodias e o jeito de encaixar a letra e a música. No show de lançamento do CD, vamos cantar com ele “Assum Branco”, uma das canções mais lindas que existem… é de arrepiar, né? Vou dizer que foi difícil escolher uma canção dele pra fazer no show, pois ele tem muitas e muitas canções “lindisíssimas”.
A Filarmônica tem esse lance de “humor inteligente”, de desconstrução da canção. Você teme que a banda carregue essa “sombra acadêmica”?
Acho que há sempre esse perigo da academia se fechar em torno de si mesma. Por outro lado, se a gente souber tirar o mais legal dela, acho que a universidade pode ajudar bastante no sentido de ajudar as pessoas a se abrirem para o mundo de um jeito transformador e bacana. Acho que, em relação à Filarmônica, não sinto tanto esse peso negativo da academia. Acho que a “sombra acadêmica” que mais me preocupa é a data da minha qualificação que está chegando! (risos)
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arte | marina malheiro