No dia 13 de julho comemoramos o Dia Mundial do Rock – que apesar de ter “mundial” no nome, só é comemorado no Brasil. Phil Collins sugeriu imortalizar a data após a realização bem-sucedida do megafestival Live Aid, no mesmo dia em 1985, organizado à fim de ajudar a erradicar a fome na Etiópia e chamar a atenção mundial para o estado de miséria na África. Simultaneamente em Londres e na Filadélfia, participaram gigantes como Paul McCartney, Eric Clapton, David Bowie, Neil Young, Queen, Bob Dylan, Rolling Stones, The Who, Led Zeppelin, Elton John, U2, Sting, Madonna e o próprio Phil Collins – já falamos disso aqui no Azoofa há quatro anos, lembra?
A verdade é que fora do país rechaçaram o plano de imortalizar a data, já que consideram outros acontecimentos mais significativas para o movimento. A primeira apresentação dos Beatles nos EUA, em 9 de fevereiro de 1964, e quando Elvis Presley gravou de forma mais rápida o blues “That’s All Right”, em 5 de julho de 1954, por exemplo, são considerados pelos gringos marcos mais importantes para o rock. Mas aqui no Brasil, duas famosas rádios roqueiras de São Paulo, a 89 FM e a 97 FM, compraram a ideia de Phill e, desde meados da década de 1990, mantém a data em evidência ano após ano.
Como bons brasileiros que somos, também vamos levantar essa bandeira! E apesar de alguns dizerem que o gênero morreu ou que não se fazem mais bandas de rock como antigamente, seja o saudosista de plantão fã de Elvis, Beatles, Zeppelin ou até de BRock dos anos 1980, chamamos um pessoal responsa, de ontem e hoje, para provar que o rock é “imorrível” e novos ingredientes na velha receita podem, sim, dar muito certo.
Feliz dia do rock a todos!
Como vocês vêem esse lance de dia do rock no Brasil?
VICTOR MEIRA, vocalista da Bratislava: A cada dia que passa acho que o rock vai se ressignificando. O gênero que antes carregava valores como transgressão, ousadia, que pretendia chocar a sociedade, que erguia a bandeira de sexo e das drogas como símbolos de uma juventude maldita e incompreendida, hoje me parece ter um caráter mais “paladino”, um discurso ideológico baseado na defesa e na valorização da liberdade pessoal (seja sexual, racial ou de qualquer outro âmbito), preocupado na manutenção da justiça, na coexistência pacífica das diferenças e no bem-estar de todos por meio da empatia e da aceitação. É um reflexo da juventude artística da nossa geração, que acredita no suor (pessoal e coletivo) como ponto de partida de um trabalho bem feito e relevante. Pessoalmente eu gosto dessa cara contemporânea que o rock tem. Então esse lance de dia do rock é bem maneiro, algo a se festejar mesmo.
CLEMENTE NASCIMENTO, vocalista do Inocentes: Como um mal necessário, tipo dia das mães, você tem que pensar na sua mãe todo dia e não só no dia das mães. Assim é com o rock. Todo dia tem que tratar bem, fazer um carinho, mas o dia serve pra gente refletir sobre como está, como melhorar e festejar.
O que fizeram vocês seguir esse caminho?
VICTOR MEIRA: É difícil dizer. É o mesmo que perguntar “por que você ama a sua esposa?”. Acho que há vontades profundas, enraizadas, impulsos que se iniciaram com experiências na infância. Essencialmente, é por que a gente ama música e ama fazer música. Por que o rock? Acho que primeiro por “educação”, já que a maioria do que ouvimos na adolescência foi do gênero, e também por nos identificarmos com os valores que o estilo carrega – mas os valores atuais!
CLEMENTE NASCIMENTO: A falta de perspectiva. Acho que foi isso, não tínhamos outra perspectiva, fomos fazendo o que a gente gosta de fazer e deu nisso. Não ficamos planejando, tipo: “poxa vou ser um roqueiro quando crescer”. Apenas a vida nos levou para esse caminho. Nunca pensei em ser um médico, engenheiro ou ajudante de pedreiro. Talvez jogador de futebol, isso eu gostava de verdade. Mas a urgência, a vontade de fazer algo da década de 80, de gravar ou de fazer shows. Apenas falar o que estava sentindo. Isso já era superimportante e motivador.
O rock ainda é relevante ou virou peça de museu?
VICTOR MEIRA: Não é relevante como foi nos anos 80 e 90, época em que era mainstream. Mas tá só um pouco abaixo dessa condição, muito longe de ser mera peça de museu. Acho que o rock é um irmão mais novo do jazz, se considerarmos uma “história de vida” do gênero. Nasceu, foi mainstream e ao longo do tempo foi nichando. Mas existe, é forte, você encontra em diversas casas de show em qualquer metrópole.
CLEMENTE NASCIMENTO: O rock é plural, não existe um rock só. Se um estilo envelheceu e virou peça de museu, ele pode ser revitalizado com uma banda nova que explora outras possibilidades de um estilo já batido. Música de verdade é sempre relevante e com o rock é do mesmo jeito. Pode não ser para a grande mídia, que prefere a moda a arte…
Ainda tem espaço para vanguarda no rock?
VICTOR MEIRA: ”Vanguarda” é um conceito mofado, né? Podemos falar em novidades, ou num artista que pode carregar – por um período de tempo – a voz mais relevante de determinados discursos. Mas vivemos uma época em que nenhum discurso dura mais que duas semanas. Há novidade e genialidade constantemente, semanalmente.
CLEMENTE NASCIMENTO: Por que não? É que uma grande parte dos roqueiros é muito careta, ortodoxa e quer manter imexível por anos determinados estilos. Eu sou da parcela que acha que tem que sempre estar mexendo, mudando e renovando. Como eu disse, não existe um rock só, mas vários, para todos os gostos.
O rock está limitado à formação “guitarra, baixo e bateria”?
VICTOR MEIRA: Não. Acho que a questão instrumental tem um peso enorme, mas não tá limitado. Morphine fazia rock sem guitarra. Royal Blood o faz agora. Tem uma banda de rock finlandesa maravilhosa chamada Alamaailman Vasarat, cuja formação é sax-baixo, trompete, órgão, violoncelo, theremin e bateria – e é definitivamente rock.
CLEMENTE NASCIMENTO: Mas quem disse que o rock usa só isso? Tem bandas que incorporam elementos variados, até o DJ foi incorporado ao rock. Já vi banda até com oboé, mas a formação baixo, guitarra bateria, tem muito a ser explorada ainda. Sempre vem algum com alguma linguagem diferente.
Que banda/artista representa o rock “de A a Z” pra vocês?
VICTOR MEIRA: Querendo ou não esse tipo de pergunta nos remete aos grandes colossos do rock, dando margem a respostas óbvias como Led Zeppelin, Black Sabbath. Eu nasci em 87 e minha primeira escola de rock foi a MTV. Então pra mim o fundamento é Silverchair, Red Hot Chili Peppers, System of a Down. Acho que uma banda ativa hoje que sintetiza legal os valores do gênero é o Queens of the Stone Age. E aqui no Brasil eu daria esse trunfo à carioca Ventre.
CLEMENTE NASCIMENTO: Nenhum consegue fazer um resumo tão preciso. São vários!
E um álbum?
VICTOR MEIRA: Songs for the Deaf (Queens of the Stone Age).
CLEMENTE NASCIMENTO: Vários! Não vivo de um disco só, senão ficaria paralisado no tempo.
E qual o maior engodo do rock?
VICTOR MEIRA: (Risos) Já prevejo um bocado de gente falando que é o emo, o new-metal, isso e aquilo. Acho que é mais uma intenção do que um status que se alcança por merecimento, ou por um julgamento alheio. Nickelback, Linkin Park, Restart e Creed são tão rock quanto Led Zeppelin. Se é bom ou ruim, cabe a cada um julgar. Mas é rock. Então ao invés de citar uma banda ou estilo, vou dizer o seguinte: o maior engodo do rock é o papo-furado de que o estilo morreu / tá morrendo / vai morrer. Quando foi que o jazz (boogie, swing, as big bands, etc) foi “mainstream”? Ali entre os anos 40 e 50, né? E tá aí, vivão e lindo até hoje, com expressões enormes e maravilhosas como a Snarky Puppy, o Christian Scott, a Esperanza Spalding. O rock é muito mais jovem que isso e ainda tem muita história pra contar.
CLEMENTE NASCIMENTO: O rock é um engodo, dependendo do ponto de vista. Para ser um artista de maneira geral, você tem que “enganar” alguém (Risos).
Seu “causo”/mito do rock favorito.
VICTOR MEIRA: Mitos pra mim são Thom Yorke e Omar Rodríguez-López.
CLEMENTE NASCIMENTO: Causo, o primeiro show em estádio dos Beatles. Não teve estrutura nenhuma, ninguém ouviu nada, mas ficou marcado na história.
Alguma “moral da história” depois desses anos no rock?
VICTOR MEIRA: A história ainda tá em andamento, é difícil dizer.
CLEMENTE NASCIMENTO: Faça você mesmo!
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