A melhor definição para o novo disco de Juliano Gauche, “Nas Estâncias de Dzyan”, está dentro da canção homônima que abre o álbum. A frase “maravilhas guardadas num pote de sangue” poderia ser um slogan do poderoso álbum que Juliano lança em show no Sesc Pompeia, nesta quinta-feira (13) – saiba mais sobre o show.
Com apenas 9 canções e menos de meia hora de duração, o disco é o retrato do artista em estado de observação. Nas letras, Juliano fala de si e do mundo, trazendo à tona dúvidas existenciais e reflexões sobre o amor, a saudade e a passagem do tempo – tudo embalado em arranjos econômicos, que realçam a poesia e a voz de Juliano, que neste disco explora mais os graves.
Com exclusividade para o Azoofa, Gauche explica a “participação” de Tatá Aeroplano na escolha do título, chama a experiência de escrever letras de “transe” e diz que a música pode apontar um caminho-saída para o momento político brasileiro.
AZOOFA: O título do álbum faz referência a um livro de origem tibetana que, aparentemente, nunca foi encontrado. Queria que você me contasse a história que te levou a escolhê-lo como nome do disco.
Juliano Gauche: Eu já estava ouvindo muito o nome da Blavatsky em alguns documentários. Quando encontrei um livro dela, não perdi a chance de ler. Era o Sabedoria Eterna. Nele constava que as teorias dela vieram desses pergaminhos tibetanos chamados Estâncias de Dzyan. Essa expressão me chamou a atenção. E o fato de Dzyan significar meditação mística, também me prendeu. A princípio usei a expressão para dar nome à música que abre o disco, onde eu falo coisas como: tudo que eu fiz foi acreditando em ventos vindos de longe de um tempo que já morreu; ou como eu ia saber se tudo começou sem mim com hora pra acabar (me referindo a termos como gênese e apocalipse); e onde me defino como mil maravilhas guardadas num pote de sangue. Ou seja, essas maravilhas guardadas, teoricamente, só se alcançam com reflexão, meditação, introspecção… seja lá o termo, o caminho é o mesmo: pra dentro. Então a expressão coube como uma luva. O Tatá Aeroplano quando recebeu os arquivos com as demos do disco, achou que nome do disco era Nas Estâncias de Dzyan (pois era o primeiro título do arquivo), e foi logo elogiando. O que me encorajou a realmente assumi-lo com tal.
O disco tem 29 minutos e 2 segundos. Houve uma preocupação deliberada de fazer um álbum curto?
Todo mundo já sabe que o tempo é relativo. Eu gosto de calcular o tempo dos discos, shows e tudo mais, observando a dinâmica emocional de quem tá ouvindo. Pra mim, tem horas que o som faz o tempo parar e em outras faz ele correr. O que me importa é por onde eu vou guiar o ouvinte, emocionalmente. Onde eu quero que ele chegue. Se eu sinto que eu fiz ele passar pelos lugares onde eu queria, eu me dou por satisfeito. O tempo cronológico disso não me importa.
As canções do disco me parecem como irmãs: tem lá suas diferenças de personalidade, mas há inegáveis traços comuns em todas. Como você enxerga a relação entre as 9 faixas?
“Nas Estâncias de Dzyan”, “Animal”, “O Clarão”, “Um Canto que Leve Seus Olhos pro Espaço” e “Canção do Mundo Maior”, são, pra mim, a espinha dorsal do disco. As outras são como intervalos, respiros, contrastes… Até mesmo para realçarem mais estas.
Como arranjadores das composições, que papel Junior Boca e Tatá Aeroplano tiveram nesse processo e no resultado?
O Tatá cuidou muito de aconselhar nas escolhas dos andamentos, das levadas de bateria, dos timbres e comportamentos do teclado, nas ideias de arranjos vocais. O Boca, além da guitarra dele já ser o elemento definidor na sonoridade do disco, também foi um grande conselheiro nas escolhas de linhas do baixo, nas timbragens gerais, no modo como os sons foram captados.
Você consegue apontar referências que te influenciaram na concepção do novo disco?
Sim, claro. Pink Floyd e Beatles são a grande base sonora de tudo que faço. E neste disco eu ainda trouxe um pouco mais do jeito do Tatá Aeroplano de escrever, um pouco da sonoridade do Fortaleza do Cidadão Instigado (que vi nascer enquanto eu terminava de escrever o Dzyan), um pouco do jeito do João Gilberto de cantar, um pouco mais da natureza simples e reta das canções da Legião Urbana, um pouco da natureza libertária das letras do Raul Seixas, muito do simbolismo do Rimbaud, muito da poesia em prosa do Walt Whitman, um tanto da leveza do Rubem Braga…
Oito das nove faixas são composições suas. Essas músicas foram criadas na mesma época? Como você selecionou esse repertório?
Eu comecei a escrever este disco assim que terminei o anterior, ou seja, no final de 2013. E fui escolhendo as músicas de acordo com a reação das pessoas ao ouvi-las. Quando o EAEO me convidou para gravar com eles, eu já considerava que tinha um disco nas mãos.
As letras evocam situações subjetivas; há bastante sugestão de imagens e frases curtas de grande força. Como foi o trabalho em relação às letras?
Eu faço as letras numa espécie de transe. Eu fico repetindo a harmonia e cantando a primeira coisa que me vem à cabeça. Sempre fixado, é claro, num quadro psicológico, ou numa sensação qualquer. E sempre tentando expressar isso da forma mais clara e direta possível. Como eu escrevo há muito tempo, eu não preciso mais me preocupar com formas, estilos, regras… É só me fixar numa coisa e deixar ela fluir por mim. Minha maior preocupação, então, é no que vou me fixar.
Como está a preparação para levar o disco para os palcos? O que vocês estão preparando para esta estreia no Sesc Pompeia?
A princípio, ser fiel aos discos é a grande preocupação. O show que estrearemos no Pompeia será o mais maduro e bem resolvido que fiz. Será a primeira vez que farei um show com base em dois discos autorais. Onde os textos e os arranjos estarão em perfeita harmonia. Sem apelar para clássicos, versões ou coisas assim. Só músicas minhas e de amigos. Como profissional, será um grande momento pra mim. Finalmente, acho que deixarei claro quem sou eu.
Nesse clima político bastante turbulento, como a música pode nos ajudar?
Olha, pra mim, enquanto tivermos pessoas desorganizadas, mal educadas, desequilibradas… nenhuma política, nenhum partido, nenhum sistema, nada, vai funcionar direito. E a música trabalha exatamente nisso: na organização íntima. A música pode melhorar as pessoas sim, e consequentemente as pessoas melhorarão seu meio. Pelo menos é assim que eu vejo.
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arte | belisa bagiani