Um dos destaques da cena independente carioca, a banda Ventre – formada pela baterista Larissa Conforto, o baixista Hugo Noguchi e o guitarrista e vocalista Gabriel Ventura – passou por São Paulo na semana passada, quando lançou, em show no Itaú Cultural, seu primeiro álbum, “Ventre”. Foi a quinta vez do grupo em terras paulistanas. “O encontro é sempre caloroso! Desde sempre, São Paulo é uma bela anfitriã. Voltamos pra casa sempre com saudades”.
Foi ‘em casa’, no Rio de Janeiro, que a Ventre levou dois anos para finalizar o disco; inusualmente, ele foi gravado em oito diferentes estúdios da cidade. A peregrinação, embora tenha trazido óbvio cansaço ao trio e demora no processo, também proporcionou a eles conheceram e se conectarem a grandes figuras da música independente carioca.
Com exclusividade para o Azoofa, a baterista Larissa Conforto comenta todas as faixas do álbum, conta a origem da banda e diz o que falta para o mercado independente ser sustentável: profissionalismo, empreendedorismo e informação.
AZOOFA: A primeira pergunta é inevitável: como vocês se conheceram, quando e por que vocês formaram uma banda?
Larissa Conforto: Eu e Gabriel nos conhecemos na faculdade de Produção Fonográfica, em 2008. Tocamos em outros projetos juntos e nessa época eu dava força pra ele gravar as músicas que compunha. O Hugo a gente conheceu por causa do Leo Justi, quando tentamos montar uma banda juntos (risos). Uma pena que não rolou essa banda, mas ficou a vontade. Hugo e Gabriel tocam juntos com o Posada (Posada E O Clã) desde lá. Acho que o porquê da banda vem da coragem do Gabriel de expor suas músicas pra gente, e depois pro mundo. É um processo difícil de auto conhecimento, exige um pouco de desapego… Mas quando aconteceu, foi só amor!
Este é o primeiro disco do Ventre. Acharam muito difícil esse processo? Qual foi o maior desafio?
Foi caótico e lento. Tomamos caminhos muito longos porque não tínhamos experiência nem dinheiro, e afinal a caminhada foi tão importante quanto o fim. Gravamos de favor, nas horas vagas de estúdios de amigos, muitas vezes de madrugada, contando com a boa vontade e o carinho das pessoas. Tivemos a sorte de conhecer pessoas maravilhosas, antes e durante o processo. Junior Tostoi (Lenine), Vini Junqueira (Mutantes), Bruno Giorgi, Pedro Garcia (Planet Hemp), Bill (Zander), Pedro Tambellini (Mara Rúbia/ Monoaural), Felipe Fernandes (Maravilha 8), Tomás Alem (Mega), Gil Mello (Casa Verde/ Subtrópico -Vitória/ES), entre tantos… Outra sorte foi termos ganhado um dia inteiro de gravina na Toca do Bandido pelo projeto Converse Rubber Tracks. O maior desafio foi unir tracks tão diferentes, gravadas por pessoas diversas em lugares diversos, mixadas cada uma por uma pessoa em um lugar diferente, em um álbum que contasse uma história coesa. Foi aí que entrou a masterização do Matheus Gomes, nosso grande amigo, do Magic Master (RJ). Não era a intenção inicial, mas acabamos passando por pelo menos oito grandes estúdios do Rio. Convivemos e aprendemos com pessoas que admiramos muito, e teremos gratidão a eles até o fim da vida.
Como veio a ideia da capa do álbum?
A gente queria uma foto na capa que expressasse quem somos (uma mulher, um asiático, um barbudo) sem mostrar muito. Que fosse discreta e ruidosa, que trouxesse a delicadeza e o desgaste. A ideia era produzir uma foto: nós atrás de um vidro fosco, que tivesse marcas. Quando fomos visitar a locação do clipe de Peso Do Corpo com o Phillipe Noguchi (diretor do clipe e autor da foto) achamos este espelho bem velho, com muitas marcas, em um banheirinho dos fundos. Foi perfeito! Tiramos a foto lá mesmo, com ajuda do nosso irmão Ivan Cascon. A capa é uma foto real de nós três refletidos em um espelho velho. Na pós, o Vinícius Tibuna (designer e guitarrista da Stereophant, que fez a arte gráfica do disco) só alterou a cor e incluiu os letterings. A sujeira do vidro é orgânica, e o espelho está lá na Casa Verde (Rio Comprido, RJ) até hoje.
Queria fazer um faixa a faixa com vocês. Topam comentar um pouco sobre cada uma das músicas?
Bailarina: >Fala sobre a coragem para ir atrás do sonho, do medo, do apego e da vontade.
Quente: Tem a ver com sensualidade, com o desgaste natural dos relacionamentos.
Pernas: Sobre desejo, tesão e toque.
Mulher: O início e o fim de um relacionamento abusivo visto sob o prisma da mulher. É uma história real.
Carnaval: Do medo e da coragem de estar num relacionamento. As pequenas coisas que são únicas pra um casal, a esperança de que a fase ruim vai passar.
Peso do Corpo: Tem a ver com desejo e saudade. Tem algumas referências de letras do Hendrix, mas não vou falar qual é, rs.
De Perto: Uma briga de casal e a fuga, que é a cerveja.
FR: Gabriel escreveu para a mulher dele, que é francesa. É a favorita dele <3.
Ali: Sobre escolhas, ficar sozinho, e morar junto.
A Parte: Sobre o término de um relacionamento. Reconhecer as dificuldades e recomeçar. Gabriel escreveu para o Hugo.
Aperto e um Beijo: Saudade, carinho e saudade. Um casal que mora longe e se vê pouco.
No release para a imprensa, vocês falam sobre a dificuldade de ter uma banda independente no Rio de Janeiro. Aqui em São Paulo também temos desafios. Pra vocês, o que falta para a cena independente ser, também, uma cena que pague as contas?
Falta profissionalismo, empreendedorismo e informação. O mercado fonográfico está vivo porque mente e engana o artista. O artista, por sua vez, se contenta em ser só artista. Isso é uma burrice nos dias de hoje. Eu acredito que a internet veio pra derrubar uma indústria, no sentido de colocar as ferramentas nas mãos dos artistas. Nós precisamos nos profissionalizar, buscar o que há de novo, nos comunicar, entender as ferramentas. O artista da década de 2010 precisa se auto empreender, mais do que nunca. Uma vez que isso acontecer, uma cadeia de produtores, casas, público, plataformas que beneficiam o artista irá se formar. Eu trabalhei alguns anos em gravadoras. Vivi muito esse processo, vivi os dois lados muito fortemente. Honestamente, o que falta é trabalho e informação, de todos os lados!
A maioria das bandas, com o passar do tempo, cria uma relação estranha com o álbum de estreia, como se o tempo fizesse mal a eles. O que vocês esperam sentir pelo disco daqui uns 20 anos?
Eu enxergo o disco como uma foto de um tempo que passou. A gente ouve e se lembra com carinho. Sempre poderia ser melhor, mas isso não pode doer. Costumamos praticar o exercício do desapego e da aceitação (risos). Antes de lançar, nós ouvimos muitos primeiros álbuns de artistas que amamos e concluímos que as vezes o primeiro disco pode não soar bem, mas sempre é muito verdadeiro. Esperamos lançar discos tão sinceros e corajosos quanto este nosso primeiro daqui pra frente.
arte |belisa bagiani